Haicai, Verso e Prosa

Letras e Sentimentos

Meu Diário
26/07/2018 21h57
Como surgiram os Grêmios de Haicai Sabiá e Águas de Março?

I Parte - texto 1

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Histórico dos Grêmios de Haicai Sabiá e Águas de Março.

(Por Benedita Azevedo)

 

     Tudo começou quando em 2000, lancei meu primeiro livro “Voltando a viver”. Fiz vários lançamentos no mês de julho. No início do segundo semestre fui surpreendida em sala de aula por um chamado da diretora Maria Aparecida Alonso, à secretaria.

      A secretária portadora da missiva ficou com os alunos enquanto eu seguia, um tanto preocupada com tal convocação. A diretora foi ao meu encontro na porta da sala, me pegou pela mão e me conduziu ao fundo da sala e me apresentou a um senhor baixo, cabelos grisalhos, com meu livro na mão:

         - Professora este é o escritor José Inaldo Alonso, da Academia Niteroiense de Letras e da Academia Mageense de Letras. Ele leu seu livro e que conhecê-la. Leve-o até a sala dos professores e fiquem à vontade.

         Ele se apresentou como professor de história aposentado e escritor. Disse que gostara do meu livro e viera de Niterói a Magé me fazer o convite a participar do Grupo Mônaco de Literatura. As reuniões seriam aos sábados das 10:00 às 12:00h, na Papelaria Ideal.

         Ao comparecer à reunião, soube que teria o lançamento do livro da escritora Lena Jesus Ponte: “Na trança do tempo”- haicai, na semana seguinte. Nunca tinha lido um haicai. Conhecia apenas a definição: poema de forma fixa, composto  em 3 versos e 17 sílabas.

         Ganhei do José Alonso um livro de presente, com a dedicatória da autora. Em casa li todos os poemetos e gostei muito. Mas quando li, ao final, o texto “Uma poesia Imigrante”, senti que estava na minha área preferida: História da Literatura. A forma e o metro, Pimentel fez questão de explicar. O primeiro exemplo que aparece no pequeno ensaio é o de Guilherme de Almeida:

O haicai

Lava, escorre, agita

A areia. E enfim, na bateia,

Fica uma pepita.

 

Logo adiante surgia o de Matsuo Bashô, com essa tradução. Eu não conhecia o autor, nem o haicai:

 

Na velha lagoa

Pro fundo uma rã mergulha.

Barulho das águas.

 

A seguir, o haicai de Antônio Luís Pimentel, a mais bela definição de haicais que conheço:

 

Que é um haicai?

É o cintilar das estrelas

Num pingo de orvalho.

 

Gostei dos haicais da Lena, especialmente deste:

 

Tece a aranha a teia.

A trama do seu tecido

A tudo se liga.

 

     Na mesma data, ganhei de Luiz Antônio Pimentel, o livro de Vinicius Sauerbronn “Poesia budista” no qual consta o  artigo “Gênese do haicai”  de Pimentel.

 

Neste estudo ele fala da waka, poesia típica que vem desde a era dos deuses (Kamiyo-Jidai), quando o Japão era todo um céu. Foi sem dúvida alguma, Susano-Wo-no-Mikoto, irmão do Deusa Sol, fundadora do império do Sol Nascente, quem compôs a primeira waka que não se perdeu através dos séculos.

         Assim falou o primeiro poeta que a história do Japão consagrou:

 

“Yagumo tatsu

Izumo yaegaki

Tzumagomi ni

Yaegaki tsukuru

Sono Yaegaki wo”

 

Ou seja em português:

 

“Andei oito nuvens

Até as terras de Izumo...

Ergui oito muros

- um castelo de oito muros,

Para guardar minha amada.

 

     A waka, que tem na parte superior versos de cinco, sete, cinco sílabas, e na parte inrerior, dois vrsos de sete, somando ao todo trinta e uma sílabas, é também chamada Shikishima-no-michi, que quer dizer: à maneira de Shikishima (nome antigo do Japão, ou anida Yamato uta, poema japonês.

 

     Há mais de mil e cem anos foi publicada a primeira obra clássica de waka, intitulada Manyo-shu, primorosa coletânea de poesias feitas por de todas as castas, desde imperadores até soldados e agricultores, que ainda em nossos dias é editada, lida e comentada pelo seu grande valor como documento histórico. Os poetas máximos dessa época foram Hitomaro, Akahito, Okura, Yakamochi e outros.

     Mais tarde, na Era do Imperador Daigo (ano 922 da nossa era) foi compilada uma outra coletânea, ou melhor, uma antologia não menos notável, intitulada Kokin-shu (coletânea de antigas e novas wakas), de onde selecionaram os cem poemas célebres que estão ornamentando as cartas usadas para jogar durante os dias festivos do Ano-Novo no Japão.

     Essa nova obra veio enriquecer sobremaneira a poesia japonesa, lançando nomes como Tsurayuki, Narahira e a poetisa Komachi que marcou época no Império das Cerejeiras em Flor, ficando famosa, não somente pelo seu talento invejável, pela sua inspiração divina, mas, principalmente, por sua incomparável beleza. Seu nome ainda hoje no Japão é empregado como sinônimo de mulher bela e talentosa.

     Daí por diante, várias séries de waka, surgiram, mas já sob o controle do Governo, sem contudo lograr o sucesso marcante, definitivo, absoluto, das publicações anteriores.

     Na Era Meiji, em que o imperador só de 1893 a 1901 produziu nada menos que 27.000 wakas, surge Shiki Massaoka, dando novos rumos, emprestando à waka novas normas, afastando-a um pouco dos moldes demasiadamente clássicos, cristalizados, viciados,  gastos através dos séculos. Foi quando se projetou a famosa poetisa Akiko e o poeta Takuboku liderando outros nomes que, igualmente, ficaram gravados para sempre na história da poesia japonesa.

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     A minha convivência com Antônio Pimentel, no Grupo Mônaco, e a leitura desses dois primeiros livros onde conheci o assunto foram o início do meu interesse pelo haicai. Mas, como ainda lecionava 60h/aula por semana, não pude dedicar-me como gostaria. Entretanto, comecei a escrever meus tercetos  e mostrar a ele, que lia e conferia as sílabas.  Lancei meu primeiro livro, sem ainda conhecer a cultura do kigo.

     Luiz Antônio Pimentel tornou-se um grande amigo. Foi ele quem me falou do Nippo Brasil e me passou o endereço eletrônico da coluna para enviar os haicais: zashi@nippobrasil.com.br

     Em 30 de maio de 2004, com o kigo “Arrebol de outono”, foram publicados meue primeiros haicais:

 

Início da noite.

Na esquina da praia

o arrebol de outono.

 

Praia de Mauá.

O arrebol de outono vê-se

No espelho das águas.

 

Em maio de 2005 foram publicados mais dois dos meus haicais:

 

Nas flores do beijo,

Gotas de orvalho cintilam

Logo de manhã.

 

Na casca do milho,

Para o café da manhã

Gostosas pamonhas.

 

Nunca mais parei de compor haicais tradicionais ou clássicos. E criei o “Projeto Haicai na Escola” lançado em outubro de 2004, para levar o haicai às crianças. (Próxima publicação)

Inverno de 2018

EMI (恵美)Benedita Azevedo

 

 


Publicado por Benedita Azevedo em 26/07/2018 às 21h57
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