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Textos

Discurso de posse (tirando da gaveta)
Benedita  Silva de Azevedo
Cadeira Nº 35 – Patrono: Aluísio Azevedo
Discurso de posse na Academia Mageense
de Letras, no dia 30 de novembro de 2002.

Homenagem Póstuma ao Escritor
Aluísio de Azevedo

Em resultado da honrosa indicação feita, a princípio, pelo acadêmico Demétrio Sena e ratificada pelo Presidente Reinaldo José Ferreira e do apoio dos demais ilustres acadêmicos, desfruto neste momento, a alegria de ingressar na Academia Mageense de Letras, entidade que engrandece a cultura em nossa cidade.

Quando me foi solicitado que escolhesse um patrono, pois a cadeira 35, que eu iria ocupar seria fundada por mim, pensei que deveria escolher um conterrâneo, entre tantos escritores ilustres de todas as épocas. A princípio pensei em Gonçalves Dias, o poeta da, Canção do exílio mais cantada em todo o Brasil e grande parte do mundo: “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”... Mas ele já era patrono de uma outra cadeira.

Então pensei em Aluísio, que tal qual a mim, é Azevedo e também deixou o Maranhão e veio para o Rio de Janeiro. Voltou à terra natal, mas não se readaptou e retornou a esta maravilhosa cidade, onde tentou sobreviver como escritor. Produziu doze romances, dez peças de teatro (algumas em parceria com o irmão comediógrafo Artur Azevedo) e um volume de conto.

Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão a 14 de abril de 1857. Irmão de Artur Azevedo. Ambos filhos de Davi Gonçalves de Azevedo, cônsul português. Fez  os estudos primários em sua terra natal. Iniciou o Secundário no Liceu Maranhense e ao mesmo tempo trabalhava no comércio e pintava.

Veio para o Rio de Janeiro pela primeira vez ainda jovem, a fim de estudar pintura, tendo se distinguido como caricaturista em vários jornais.

Com a morte do pai voltou ao Maranhão, para dedicar-se à imprensa e publicou duas obras: Uma Lágrima de Mulher (1880) e O Mulato (1881), romance que inaugurou oficialmente o Naturalismo brasileiro.

O Mulato foi muito bem recebido pela crítica e pelo público, por tratar do preconceito racial, em plena Campanha Abolicionista,  e,  por sua postura narrativa naturalista nova, quase inédita no Brasil. Teve boa aceitação no Sul, mas foi violentamente combatido no nordeste. Choca a sociedade maranhense, que quase o expulsa da cidade. Vejam uma crítica publicada em São Luís, transcrita por Aluísio na segunda edição do romance:

“(...) a Civilização no seu número de 23 de julho de 1881 publicou um longo artigo de um dos seus redatores mais ilustres, o Sr. Euclides Farias, no qual, entre muitas coisas, há o seguinte: Eis aí um romance realista, o primeiro pepino que brota no Brasil. É muita audácia, ou muita ignorância, ou ambas as coisas ao mesmo tempo!... melhor seria fechar os livros, ir plantar batatas... Vá para a foice e o machado! Ele que tanto ama a natureza, que não crê na metafísica, nem respeita a religião, que só tem entusiasmo pela saúde do corpo e pelo real sensível e material, devia abandonar essa vidinha de vadio escrevinhador e ir cultivar as nossas ubérrimas terras. À lavoura meu estúpido! À lavoura! Precisamos de braços e não de prosas em romances!”

Mesmo sendo conservador, o autor do artigo, não se pode negar sua capacidade de crítica. Ele capta, logo no romance de estréia da nova tendência, sua principais características: o amor pela natureza, a negação da metafísica, o desrespeito pela religião, o entusiasmo pela saúde do corpo, o real-sensível e o materialismo. Uma pena o crítico ser tão reacionário, a ponto de afirmar, entre outras coisas, que o país precisava de braços e não de cultura.

Caro colega acadêmico, ainda hoje, encontra-se  muitos Euclides, aquele, pelo menos tinha a capacidade de julgar e detectar as características de uma nova tendência que surgia. Mas há aqueles que julgam nosso trabalho, fazem críticas, sem pelo menos serem capazes de escrever um só parágrafo com coerência e criatividade. E nós acadêmicos de Magé, que escrevemos as nossas poesias, os nossos contos, as nossas crônicas, os nossos romances, porque o ato de escrever é mais forte que nós. É espontâneo como os atos de dormir, acordar, comer, beber e principalmente de sonhar. O nosso companheiro Aluísio tentou viver profissionalmente da literatura, não conseguiu, e naquela época a leitura era a principal fonte de entretenimento da maioria das pessoas. O que poderemos dizer da nossa época recheada de opções de lazer. Só se arriscam nessa seara aqueles que trazem no sangue essa tendência, que nos faz acordar no meio da noite e não nos deixa retornar ao sono enquanto não lançarmos ao papel a idéia que nos  atormenta.

Em 1890 publica O Cortiço, uma obra em que os heróis individuais são substituídos pela coletividade, mostrando as condições de vida dos diferentes estratos sociais da pirâmide capitalista, na cidade do Rio de Janeiro, em crescimento.

Por tentar profissionalizar-se como autor, Aluísio produziu propositadamente obra diversificada: de um lado os romances românticos, que o próprio autor chamava de “comerciais”, de outro, os romances naturalistas, chamados de “artísticos”. Ao segundo grupo, entre outros, pertencem os três maiores de Aluísio: O Mulato, O cortiço e Casa de pensão. É importante observar que essa divisão não constitui fases como no caso de Machado de Assis. Aluísio produzia os romances românticos e naturalistas alternadamente. Como podemos observar, para que vendesse seus livros ele tinha de escrever os românticos que vendiam mais que os naturalistas. Mas é como naturalista que deve ser estudado. Seguindo as lições de Émile Zola e Eça de Queirós, o autor escreve romances de tese, com clara conotação social.

Percebe-se nitidamente a preocupação com as classes marginalizadas da sociedade, a crítica ao conservadorismo e ao clero e a defesa do ideal republicano.

Observa-se claramente, a sua postura tipicamente naturalista ao valorizar os instintos naturais, comparando constantemente seus personagens a animais ou,  atribuindo comportamentos humanos aos animais. Veja alguns exemplos encontrados em O cortiço: uma mulher tem “ancas de vaca do campo”; um homem morre “estrompado como uma besta”; outro tem “verdadeira satisfação de animal no cio”; em outras passagens ele compara animais aos humanos: os papagaios “à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente”.

Ao comparar seus Personagens a animais, os naturalistas enfatizam a animalidade do homem, diferentes dos românticos que invocavam ao animais para realçar a beleza das personagens como acontece em José de Alencar  escrevendo que Iracema tinha “os cabelos mais negros que a asa da graúna...” e era  “mais rápida que a ema selvagem” .

Ao retornar ao Maranhão, por ocasião da morte do pai, influenciado pelo materialismo positivista, escreve alguns artigos de caráter político, atacando os conservadores, a tradicional sociedade maranhense e o clero. Choca a sociedade maranhense ao publicar O Mulato e volta para o Rio de Janeiro. Entra na roda boêmia de Coelho Neto, Olavo Bilac, Paulo Nei, Guimarães Passos, e outros. Escreve para vários periódicos o que o leva a trabalhar incessantemente, vivendo a partir de então da venda dos seus escritos, o que levou o crítico Valentim Magalhães a afirmar: “Aluísio Azevedo é no Brasil, talvez, o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa de sua pena, mas note-se que apenas ganha  o pão: as letras no Brasil ainda não dão para a manteiga”.

O próprio Aluísio comenta desanimado: “Escrever para quê? Para quem? Não temos público. Uma edição de dois mil exemplares leva-se anos a esgotar-se... livros entre nós só os de cheques”.

Não suportando essa situação por muito tempo, em 1895 o romancista presta concurso para o cargo de cônsul. Aprovado, troca a literatura. Pela diplomacia, tendo exercido cargos diplomáticos na Espanha, no Japão, na Inglaterra e na Argentina. Morre em Buenos Aires  a 21 de janeiro de 1913.

As obras de Aluísio Azevedo se dividem em dois grupos: românticas e naturalistas. São naturalistas: O mulato, Casa de pensão, O homem, O Coruja, O Cortiço e O livro de uma sogra.  Os outros são românticos. O mais incrível é que as duas posições estéticas não sejam sucessivas, mas simultâneas. Uma lágrima de mulher (1880) é romance romântico; O mulato (1881) é naturalista; A condessa Vésper (1882) é romântico; Casa de pensão 91884) é naturalista; Filomena Borges (1884) é romântico;  O cortiço (1890) é naturalista e O esqueleto (1890) é romântico. E assim num vaivém romântico-naturalista, demonstrou a sua habilidade no trato com as letras em sua breve carreira literária (1880-1895). Deve-se isso, em parte, à pressa com que o romancista necessitava alimentar os jornais para os quais escrevia em folhetins, e em parte no desejo de agradar a um público habituado ao sentimentalismo e extravagâncias românticas da moda. No fundo, coação econômica alimentando o sonho utópico de viver exclusivamente da literatura, teve naturalmente de fazer concessões. Além disso, parece que não conseguiu desvencilhar-se totalmente do fantasma romântico.

O melhor de sua obra está na tríade: O mulato é a história da luta de um mestiço intelectualizado            (Raimundo) contra o ambiente provinciano, hostil e conservador.

Casa de pensão narra a tragédia de um jovem estudante que sucumbe ao meio depravado, propício à irrupção de suas taras hereditárias.

O cortiço é o relato da habitação coletiva, viveiro de misérias e vícios, atoleiro moral a tragar quantos dele se aproximasse.

É assim, como romancista social, que melhor se afirmou o talento de Aluísio. É o escritor apaixonado, o artista combativo, pondo a nu os problemas sociais e morais da sociedade brasileira do seu tempo. O preconceito de classe, a ganância do lucro fácil, e todas as injustiças e misérias decorrentes. Mais que o indivíduo, é a sociedade que lhe interessa. Mais que o miniaturista de almas, é o pintor de amplos murais. E é na pintura um verdadeiro impressionista: colorido, vivo, tons fortes e quentes. Mostra preferência pelos tipos vulgares e grosseiros, pelos ambientes sujos e situações deprimentes. O artista procurando acordar a consciência do leitor, da sociedade comprometida nas injustiças.

De toda a sua obra, a tríade citada é a mais válida para sobreviver, principalmente, O cortiço. Devemos acrescentar O coruja, obra diferente das demais, pungente história de uma personalidade boníssima velada pela feiúra física. Romance bem estruturado e com passagens de grande humanidade e força lírica, tem sido injustamente esquecido pela crítica. Mas é o mais sentido livro do autor.

De minha parte, ao escolher Aluísio Azevedo com patrono, comprometo-me a fazer um estudo mais aprofundado de toda a sua obra. Principalmente, de O Coruja, romance que merece estar em evidência tanto quanto O Cortiço, O Mulato e Casa de Pensão. Quero com isso contribuir para que a sua obra continue a ser reconhecida no cenário da Literatura Brasileira.

Quero neste momento agradecer e homenagear, em primeiro lugar a Deus por me ter ofertado como pai o  Senhor Euzébio Alberto da Silva e com mãe, a Senhora Rosenda Matos da Silva, que mesmo sendo pessoas simples, sempre incentivaram os filhos a cuidarem do corpo, da alma e do intelecto. Não descuidando da Ética e da Moral. Depois, ainda a Deus, por colocar  em meu caminho dois filhos maravilhosos,  que multiplicaram a minha família com cinco netos saudáveis e inteligentes. Ao Amilcar, meu primeiro marido, pai dos meus filhos, que já partiu para a eternidade, toda a minha gratidão por compartilhar comigo na formação de uma família saudável. Ao Christian, meu atual marido, pelo apoio e carinho nos momentos dolorosos e gloriosos.  Aos meus irmãos, parentes de sangue ou por afinidade e aos amigos, agradeço o companheirismo, a compreensão e o apoio na caminhada do dia-a-dia.

Ao Senhor Presidente, Professor Reinaldo José Ferreira, ao Professor Demétrio Sena, meu companheiro de trabalho,  a todo o quadro acadêmico, a minha homenagem e a certeza de que darei o melhor de mim pelo engrandecimento da Academia Mageense de Letras.

Muito obrigada

Bibliografia consultada
1. NICOLA. José de, Literatura Brasileira ( Das origens aos nossos dias), Ed.  Scipione, S. Paulo, 15ª edição, 1999.
2. LUFT. Celso Pedro,  Dicionário de Literatura Portuguesa e Brasileira, Ed. Globo, Porto Alegre, 1973.

Praia do Anil – Magé – RJ, 30/ 11/ 2002
Benedita Silva de Azevedo

Benedita Azevedo
Enviado por Benedita Azevedo em 01/07/2009
Alterado em 03/07/2009


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