Haicai, Verso e Prosa

Letras e Sentimentos

Meu Diário
24/03/2008 03h38
Discurso de Edson Kenji Iura por ocasião da fundação do Grêmio Haicai "Águas de Março"

Foto: em sentido horário: Edson Kenji Iura, Marilza de Castro, Vanise Buarque, Benedita Azevedo, Márcia, Carol Ribeiro, Teruko Oda, Celso Pestana e Nelson Savioli.



Amigos

Já estive em muitos lugares do Brasil e posso relatar uma experiência interessante: não há lugar onde eu me sinta mais estrangeiro do que no Rio. Em nenhuma cidade do Brasil os vendedores ambulantes assediam-me tanto como se eu fosse um turista de um país distante. E em nenhuma outra cidade encontro tantos nativos amáveis tentando conquistar minha amizade dirigindo-me simpáticas palavras em língua inglesa.

Sou brasileiro nascido em São Paulo, uma cidade que se transformou numa das maiores metrópoles do mundo, graças ao sangue e ao suor de milhões de pessoas que não nasceram lá, mas para lá se mudaram, vindas de todos os lugares da Terra. Essa coabitação razoavelmente pacífica de sotaques e culturas teve suas conseqüências boas, e uma delas é justamente a minha presença aqui hoje. Mas tenho medo que o multiculturalismo e a globalização, turbinados pelo poder das relações econômicas, acabem colocando à sombra uma coisa muito preciosa, que é a alma brasileira.

Que alma brasileira é essa? Não sei definir intelectualmente, mas é aquilo que nos enche de emoção ao vermos pela TV as imagens arquetípicas do Cristo e do Pão de Açúcar, lermos em Machado de Assis as mais profundas observações sobre os tipos humanos e o cotidiano na antiga capital do Império, ou ouvirmos um samba de Noel Rosa exaltando a vida boêmia e a malandragem cariocas. Entendi que a causa de eu me sentir um estrangeiro em meu próprio país é o choque do contato, tão raro, com essa alma brasileira, que só tenho aqui no Rio. Para ir direto ao assunto, a alma brasileira tem endereço. Que me perdoem gaúchos, amazonenses e baianos, mas a alma brasileira tem sotaque carioca e mora num ponto qualquer entre os morros e as praias do Rio de Janeiro. O resto é regionalismo ou exotismo.

Enfim, estar hoje na cidade-maravilhosa, no coração do Brasil, cercado de amigos, me enche de confiança para augurar que o haicai brasileiro, não apenas escrito em português, mas o verdadeiro haicai de alma brasileira, só pode nascer aqui, entre os confrades do Grêmio Haicai Águas de Março. Em nome do seu grêmio-irmão paulista, aceitem os nossos votos de vida longa e produtiva.

Edson Kenji Iura
Rio, 16 de fevereiro de 2008
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Publicado por Benedita Azevedo em 24/03/2008 às 03h38

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