24/01/2018 01h51
Primeiro Renga- Via Láctea - Homenagem ao mestre "Guin Gá"
Primeiro renga do Grêmio Haicai Águas de Março, em homenagem aos dez anos do grêmio e ao querido mestre Douglas Éden Broto "Guin Gá". ---------------------------------------------------------------- .RENGA "A Via Láctea"---Comentários: Carlos Martins OUTONO 01 No céu já escuro Vejo piscar as estrelas... Ah... a Via Láctea! ............GuinGá 02 Mais brilhantes, nesta noite, negros olhos da menina. ...........Carlos Martins . No princípio era o Caos... Depois, surgiu a massa luminosa das estrelas e, entre elas, a Via Láctea, que alimentou com seu leite primordial o olhar e o coração dos poetas (sem flexão de gênero). E nesse caldeirão de energia e cor, o haijin, o Sennin, GuinGá está e, como Mestre da Arte do haicai, nos indica o início da jornada do renga, do caminho do renga – do “rengadô”. Voltada sorridente para o alto, o rosto todo expressão de encantamento, a menina sorri com os olhos, ao descobrir tessituras na noite; formas conhecidas de animais, pessoas, objetos ou meramente luz! . 03 Alegria na praça – Gira a Lua no céu, ciranda no chão. ...........Regina Alonso 04 Com diversão para todos a noite fica mais longa. ...........Carlos Viegas. . Um povoado, uma vila, uma praça de grande cidade, não importa. A noite está clara. A lua ilumina tanto as nuvens que parece dia. Em seu movimento de rotação, ela dança no céu inspirando meninas e meninos na noite de sorrisos. O que está em cima é como o que está em baixo e, assim, tem-se a unidade. Movimento é dia; repouso é noite. É próprio do humano buscar a felicidade e o contentamento e, assim, ninguém quer dormir, todos querem girar... e girar ... e... . 05 Sempre pontual – O relógio do universo Não falha na agenda. ............Fiore Carlos. 06 cresce pela estrada afora a luz branca da paz. ...........Regina Coeli Nunes. . O homem criou o tempo; o universo, a eternidade. Em algum lugar estão marcadas as ocorrências das marés, as órbitas de cometas e planetas, os voos regulares das aves, a forma repetitiva e perfeita de plantas e a composição das rochas. E, do silêncio do espaço, uma luz que brilha de dia e de noite, orienta o caminhante em sua jornada. . 07 Manhã no jardim - O grilo volta a cantar se tomo distância ..........AlvaroPosselt 08 Caminha pelo gramado um casal de namorados. ..........Benedita Azevedo. . O peregrino para por um instante e inicia um descanso contemplativo, mas outros peregrinos menores desse palmilhar também o contemplam. O silêncio é recíproco, o respeito também. E, ao se afastar, cada um diz adeus à sua maneira. Alheios a outras manifestações sensíveis, os amantes só desejam cumprir a missão de seus corações e se integram em um plano maior. . INVERNO . 09 Manhã gelada - O calor vem da mensagem do amigo distante ..........Rose Mendes 10 Os amigos abraçados ocupam toda calçada. ..........Carlos Martins . Os laços não requerem a presença do tátil. A sinfonia composta há dois séculos, desperta lágrimas e entusiasmo na sala de concertos de hoje. A carta carinhosa é um holograma do espírito de quem a escreveu, que sorri para o destinatário emocionado. Um mundo feito de respeito e carinho? Se alguns poucos ocuparem um pequeno espaço, já é o início... . 11 Debaixo da ponte a lona é curta pra dois – Tarde de inverno ..........Regina Alonso 12 em baixo do cobertor só se vê quatro pernas! ..........Elisa Campos . Ah, o frio fere com cortes na pele é o mesmo que pode aquecer a alma. Se o desejo for de dividir, meio corpo quente já faz suar, e mesmo que o vento frio varra por toda a noite espaço ribeirinhos ou citadinos, o sorriso do companheirismo aquece. . 13 Fogueira acesa - Ninguém se lembra do frio ao som das risadas. ..........Sandra Hiraga. 14 com as lembranças do dia A voz de todos se aquece. ..........Severino José . O “luau” de jovens ou o encontro de outsiders mendigos ou poetas loucos, talvez ainda debaixo da ponte ou nas areias de uma praia reservada, tem a mesma natureza: liberdade! Natureza essa que frio algum corrompe, se houver companheirismo e risadas. Disse o poeta um dia que ele colecionava lembranças, pois no fim da vida seriam elas as únicas estrelas a iluminar o céu de sua velhice. A cumplicidade da troca de lembranças, aquece... . 15 filhos no quintal com alegria a correrem-- esfregam as mãos. ..........Mateus Nascimento. 16 penduradas no varal roupas balançam ao vento .........Regina Alonso . O espaço junto à casa, ainda é casa. E casa é reunião. Se for reunião de amor, a alegria é certa. O poeta contempla a família como se fosse a lua: respeitosamente, sensivelmente, emocionadamente. Como um filme de imagens oníricas, as roupas de diversos tamanhos e formas, balançam suaves, pela quase-brisa da primavera que se anuncia. . PRIMAVERA . 17 Peças coloridas, lençóis brancos como a neve— Juntos, luz e cor. .........Nilza Azzi 18 as cores da bougainvíllea cobrindo toda a murada ..........Benedita Azevedo. . Roupas brancas e coloridas refletem a luz do sol, mas uma cor viva atrai a atenção do dia. No muro esparrama a natureza que se faz presente: é primavera, com primavera! O muro de cor invernal recebe vida. O haijin atento agradece aos deuses dos varais e das cercas vivas e mortas. . 19 Bonito de ver no bico do passarinho um naco de amora ........Rose Mendes 20 Cata-ventos no jardim giram ao sabor do vento. .........Sandra Hiraga . Agora, come-se um naco aqui, um teco ali, debaixo do sol: a vida tem gosto de amora... Pergunte pro Guilherme! A menina de rosto tingido de bordô levanta seu cata-vento à brisa perfumada do pomar. Corre, corre. Seu chapéu cai e ela quase voa, espírito livre... Vai...avoa! . 21 O branco entre o verde No fim do grande quintal - Flor de laranjeira ..........Marco Aurélio Goulart 22 Se espalha pela varanda um aroma adocicado ..........AlvaroPosselt . O perfume adocicado atrai olhares e corações dos passantes para a nuvem branca e aromatizada que desceu do céu, e contrasta com a verdejante presença no jardim, extensão da floresta, do outro lado do rio. O haijin, em sua espreguiçadeira, fecha os olhos e deixa o espírito flanar pelos mistérios dos sentidos, sentindo-se uno com o cenário, com a tela pintada pelo Insondável. . 23 Ah, linda manhã ! a clívia deu ar de sua graça quantos botões... ........Elisa Campos 24 rumor leve no ouvido abelhas pousam e partem ........Severino José . A flamejante flor já anuncia o calor dos ventos quentes que virão, no estio. Os dias estão mais definidos em suas luzes e temperatura. O trabalho de pessoas, poetas e animais feito com mais entusiasmo e ritmo. O fluxo das gentes nas cidades, dos baldes de mel das abelhas e das estrofes dos poetas se expande. Tudo é vida e completude! . 25 Bálsamo na alma --- Estalado de bom dia do colibri. .........Carlos Martins 26 a mulher em seu caminho para e alisa os cabelos... .........Rose Mendes . Não, não há mais margem para dúvidas e hesitação! A natureza vibrante fala por todos os seus poros! Flores, pássaros e insetos são companheiros de caminhada da mulher que fala com a alma. . VERÃO . 27 Um riacho adiante — No dia de Iemanjá lavadeiras cantam. ..........Nilza Azzi 28 Ondulante correnteza, um vulto joga a tarrafa. .........Benedita Azevedo. . A água atenua o calor da estação tórrida e seu espírito ancestral na forma de deusa mãe, cobra seu óbolo de melodias de alma, cantadas por mulheres fortes. Perto dali, homens retiram da água o alimento do corpo. O suor de seus corpos alimenta e reverencia o rio que tudo dá e recebe, fonte de vida e de morte. Emblema da impermanência e da passagem. . 29 pausa no caminho – do outro lado da margem o voo da garça ..........Regina Alonso 30 Enfeite da natureza Poema que já vem pronto .........Fiore Carlos. . O peregrino pousa o cajado, abana o rosto com o chapéu e se faz um com a terra e seres vivos. Pássaros e ventos não se importam com sua presença e seguem seu ritmo e natureza, desempenhando o necessário movimento que integra o Grande Ser e Lhe dá sentido. Tudo se junta como em um grande mosaico em que alguém, distante, vê a imagem completa. Sabedor de seu real tamanho, para o peregrino o que importa, é que tudo é somente poesia. O som e o silêncio: a luz e a escuridão; o amor e o ódio. No verso, tudo é verso... e anverso. . 31 Manhã radiante espalhadas pelo parque flores de alamanda. .........Carlos Viegas 32 Também as folhas caídas onde brincam as crianças .........Marco Aurélio Goulart . Chega o tempo da desaceleração. O espírito se aninha, se aconchega e busca a companhia dos iguais na caminhada. Já não quer vencer montanhas as fortes passadas, mas observar os montes milenarmente estáveis e o reflexo das flores amarelas do caminho nos seus olhos e nas encostas. O haijin, de coração mais enternecido agora, deixa escorrer uma lágrima aos estalos das folhas pressionadas por pezinhos infantis. No mais, tudo é silêncio... . OUTONO . 33 No banco da praça, vovó e vovô se abraçam... piscam as estrelas. .........Mardilê Friedrich Fabre. 34 neste local costumeiro onde estão sempre entre nós. .........Regina Coeli Nunes . O ápice da vida não é o seu fim, mas o coração invadido pela serenidade completa. As almas que se encontraram, que cresceram juntas alimentadas pela felicidade ou sofrimento, agora são homenageadas pelas estrelas... A Via Láctea as reverencia. Novamente, não se está sozinho. O caminho é de mão dupla. Observa-se e se é observado... . 35 Águas de Março espalha-se pelo Brasil... dez anos de história. ........Benedita Azevedo. 36 Raiz do haicai fincada pelo "Nenpuku" Guin Ga. ..........Carlos Martins. . Um dia, um navio aportou em Santos trazendo pessoas do país do sol nascente para o país de sol o ano inteiro. Na bagagem, sonhos, costumes e arte. Na arte, um modo diferente de poesia, vinda de fora para dentro, objetiva. Na poesia, um poetar que observa a beleza e a mudança da vida que se apresenta aos sentidos. O registro de um botão de flor que eclode, do perfume de uma comida feita pela mãe; do eriçar de pelos ao vento frio ou do canto melódico de um pássaro na alvorada. No registro, a assertividade e economia de palavras, mediante apenas o necessário – nem mais, nem menos. No necessário, apenas o click, o instante, o satori, seja registrando o desenrolar das estações, como faziam os antigos mestres japoneses, mediante o kigo, ou termo de estação, seja somente o instante, o que o olhar da alma do poeta vê. No ensinar dos mestres se firmou um modo de ver e mesmo de exercer uma missão no mundo, seja plantando um país de haicai, como Nenpuku Sato; no magistério em grupos de haicai como Mestre Hidekazu Masuda Goga ou feito uma semente pioneira, em um grupo específico de haicai, como o Grêmio Águas de Março, por um Mestre-Capitão dos Mares - Douglas Éden Brotto, nosso inesquecível Guin Ga. Benedita Silva de Azevedo e demais haijins do Grêmio foram seus companheiros nessa obra que passou a fazer parte da história da poesia carioca. . No corte brilhante das metades do caqui Afloram sementes... ............Guin Gá E você, Guin Gá, foi uma e os inspirados haijins do Grêmio de Haicai Águas de Março foram outras tantas, para o florescimento do haicai carioca e nacional. . Namastê! Verão de 2018 ----------------------------------------------------------------- Autores participantes: Alvaro Posselt, Benedita Silva de Azevedo, Carlos Martinss, Carlos Viegas, Douglas Eden Brotto, Elisa Campos, Fiore Carlos, Marco Aurélio Goulart, Mardilê Friedrich Fabre, Mateus Nascimento, Nilza Azzi, Severino José, Regina Alonso, Regina Coeli Nunes, Rose Mendes e Sandra Hiraga Yoshimura. - Agradecemos ao caro amigo haijin, Carlos Martins pelos excelentes comentários ao nosso 1º Renga do Águas de Março e a todos os confrades que se animaram a participar na realização das estrofes distribuídas. - Rio de Janeiro, 06 de fevereiro de 2018, às 19:12 Grêmio Haicai Águas de Março. Emi (恵美) Benedita Azevedo (coordenadora) Publicado por Benedita Azevedo em 24/01/2018 às 01h51
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