Haicai, Verso e Prosa

Letras e Sentimentos

Meu Diário
21/05/2019 19h50
3º Renga - homenagem aos 12 anos do Grêmio Haicai Sabiá.

Praia do Anil, Magé - RJ, 26 de junho de 2018, às 09:22

Bom dia caríssimos haijins!

Vamos começar o renga em homenagem aos 12 anos de existência do Grêmio Haicai Sabiá, daqueles que o inciaram e de todos que dele participam!

VIVA O HAICAI BRASILEIRO!

O Grêmio Haicai Sabiá, o primeiro do Estado do Rio de Janeiro, foi fundado em 17 e 18 de junho de 2006, na Praia do Anil, Magé - Rj. Compareceram ao cerimonial de fundação, haicaístas e coordenadores do Grêmio Haicai Ipê de São Paulo, e autoridades locais.

Dia 18 de junho de 2018, completamos 12 anos. Os atuais membros prestaram homenagem com a composição de um renga. Iniciado dia 26 de junho, às 09:22 e concluído dia 29, às 17:40.

Gratidão a todos os participantes!

Emi (恵美) Benedita Azevedo

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I - PRIMEIRO RENGA DO GRÊMIO HAICAI SABIÁ.

Homenagem ao 12º Aniversário

Título - Primeira Estrela - Condução: Regina Alonso

Inverno.

01

Início do inverno –

nas oficinas do Grêmio o

calor da amizade.

................Benedita Azevedo

02

A brancura das camélias

na manhã ensolarada.

.................Carlos Martins

03

Finzinho de tarde –

Feita pelo sol de inverno

a sombra do abraço.

.............Marco Aurélio Goulart

04

Na escuridão da trilha

viajante solitário.

................Regina Alonso

05

O pio da coruja

dentro da madrugada -

Névoa de inverno

.................Rose Mendes

06

Ao longe cobre a montanha

o brilho dos cristais de gelo

...............Clarinha Sznifer

07

Sob velhas cobertas –

Criancinha pede colo

para se aquecer.

................Sandra Hiraga

08

Não se ouve pio de pássaro

no arvoredo vizinho

............... Severino José

09

Que dia curto –

Me esqueço de recolher

a roupa do varal

.................Álvaro Posselt

10

Na silhueta da serra

surge a primeira estrela

.............Gustavo Terra

Primavera.

11-

Primavera chega

mas o que vejo ainda?

manacás floridos

............Elisa Campos

12

Pela porta entreaberta

o bolo recém-assado

............

Natalia Yamane

13

Barulho de moto

e o vento abrindo a cortina –

Primavera fria

............Benedita Azevedo.

14

Sons de violino espalham

velhas canções na névoa

.............Clarinha Sznifer

15

Pintam a calçada

flores de jacarandá –

florzinha na sombra

...............Guilherme Henrique Sanches Fisher

16

Caminhando pela via

um senhor com seu cão guia

................Maria Lima

17

Lá vão os pardais

revoando pela praça

ao cair da tarde

...............Rose Mendes

18

Quase fim de primavera

e a dama-da-noite reina...

...............Maria Lima

19

Flores do canteiro

no cabelo da menina --

Ipê amarelo.

.............Marco Aurélio Goulart

20

Um último beija-flor

coleta néctar na tarde

..............Carlos Martins

Verão

21

A noite se estende –

Eis que a Lua de verão

ocupa o cenário

..........Fiore Carlos

22

Debruçado na janela

casal em troca de afagos

............Marco Aurélio Goulart

23

Brilha o sol de estio –

gaivotas aboletadas

na praia deserta

..............Nilza Azzi

24

Miro faceiro além,

pós-horizonte sem-fim.

.............Fernando Azevedo Brito

25

Fogos de Ano Novo

explodem cores e apagam –

estrelas perduram

...............Guilherme Henrique Sanches Fisher

26

Como uma bênção me sobe

cheiro da terra molhada

..............Severino José

27

Porteira da casa.

Flores de cássia imperial

colorem a grama.

................Benedita Azevedo

28

Do retorno da viagem

compota de abacaxi

................Natalia Yamane

Outono

29

Na rua deserta,

folhas rolam pelo chão —

Começo de Outono.

..................Nilza Azzi

30

Um aroma de café

chama para uma pausa.

...............Sandra Hiraga

31

Surpresa na sala

em voo rasante ela!

borboleta de outono

............Clarinha Sznifer

32

num retrato na estante

vem pousar a saudade

...............Severino José

33

Perto... tão perto

acima do casarão

a Lua de outono

.............. Rose Mendes

34

Vem com a brisa de outono

o cheiro do mato verde

..............Maria Lima

35

Tão longe se espalha

o canto dos camponeses –

colheita de algodão

..............Regina Alonso

36

Se distanciam na trilha,

caminhantes e risadas

............Carlos Martins

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Inverno de 2018

Praia do Anil, 29 de junho, às 17: 40

Emi (恵美) Benedita Azevedo

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Créditos:

Condução: Regina Alonso.

Colaboração: Carlos Martins.

Coordenação: Benedita Azevedo.

FOTO:

Valdir Peyceré

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Participantes:

Alvaro Posselt, Benedita Azevedo, Carlos Martins, Clara Szanifer, Elisa Campos, Fernando Azevedo de Brito, Fiore Carlos, Guilherme Henrique Sanches Fisher, Gustavo Terra, Marco Aurélio Goulart, Maria Lima, Natalia Yamane, Nilza Azzi, Regina Alonso, Rose Mendes, Sandra Hiraga e Severino José.

Gratidão a todos os participantes!

EMI Benedita Azevedo

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Renga em Homenagem ao 12º Aniversário do 'Sabiá'

Comentários - Regina Alonso e Carlos Martins

Título - Primeira Estrela

 

Inverno

01-Início do inverno –

nas oficinas do Grêmio o

calor da amizade. Benedita Azevedo

 

O renga se inicia com muita sensibilidade e de forma apropriada ao tempo de inverno, chamando os haicaístas para aquecer os dias com o calor da amizade, que se consolida a cada encadeamento das estrofes. Os haijins olham os versos que o precedem, e no agora irão aproximar/ afastar, como as ondas que se renovam a cada movimento e não voltam.

 

02-A brancura das camélias

na manhã ensolarada. Carlos Martins

 

A cor das camélias traz o branco que nos remete à paz que há de reinar entre os poetas, nesta manhã de luz plena, claridade da natureza, que sutilmente, reforça o 'calor da amizade' da estrofe anterior e dá andamento ao renga, sem voltar ao que foi dito.

03-

Finzinho de tarde –

Feita pelo sol de inverno

a sombra do abraço. Marco Aurélio Goulart

O renga avança com o sol de inverno ao fim da tarde e 'a sombra do abraço' é verso belo e sutil que aprimora o encadeamento: a 'sombra' aponta para o escuro (medo? tristeza?) que virá, enquanto o 'abraço' traz a acolhida, afeto (oposições ricas na tessitura do poema)

04-

Na escuridão da trilha

viajante solitário. Regina Alonso

O abraço faz-se em despedida e lá se vai o viajante só pela trilha, pois o caminho se faz caminhando, ainda que na escuridão já prevista na estrofe 03, mas sem voltar, levando o renga e o caminhante.

05-

O pio da coruja

dentro da madrugada -

Névoa de inverno Rose Mendes

O encadeamento se faz com sensibilidade: é madrugada, escuro intenso, desce a névoa e o pio da coruja corta o espaço por onde trilha o viajante. Aproximação sem colar no dístico anterior, intensificando (pio da coruja e névoa) a solidão do homem – tudo (apenas) é natureza, afinal.

06-

Ao longe cobre a montanha

o brilho dos cristais de gelo Clarinha Sznifer

Hora de distanciar mais – o haijin traz o gelo em cristais brilhantes –O brilho é luz que se contrapõe ao escuro da estrofe 05, mas o frio, o gélido também é belo (brilho) e leva o renga adiante.

Carlos Martins acrescenta: Impressionante!

Se quiséssemos regrar o renga com o andamento clássico, não faríamos tão perfeito. Mestre Goga divide o renga haikai em 4 seções de 6 / 12 / 12 /6 estrofes (Jane Reichhold junta as intermediárias em uma seção de 24) e diz que a primeira deve ser suave, com motivos de alegria.

Foi exatamente o que fizemos nas 6 primeiras. O “rio do renga” fluiu da manhã, passando pela tarde, alcançando a noite e entrando madrugada adentro, no alto dela e, no romper da aurora.

Maravilha!!!

Posso estar enganado pelo noviciado no renga, mas os encadeamentos estão totalmente adequados!

07-

Sob velhas cobertas –

Criancinha pede colo

para se aquecer. Sandra Hiraga

A liga entre as estrofes acontece pela relação da criança com o outro, ao sentir frio no inverno rigoroso e propor o calor do corpo (humano), que as cobertas não trazem.

Aqui sentimos compaixão e penso em Bashô, que em sua viagem acolheu a todos (prostitutas, pulgas...)

08-

Não se ouve pio de pássaro

no arvoredo vizinho Severino José

Momento de extrema solidão e silêncio, mudança do ritmo anterior. Tudo agora 'congela', mas não para: podemos imaginar que não ouvimos o pio do pássaro, porque ele fugiu e se escondeu no arvoredo em busca de proteção.

09-

Que dia curto –

Me esqueço de recolher

a roupa do varal Álvaro Posselt

A estrofe 'quebra' a imagem anterior, pois o dia é curto, invernal, mas o homem está em casa, acolhido, aquecido e... até se esquece de recolher a roupa do varal, pois correu para dentro de casa para fugir do desconforto. Essa 'fuga' de fora para dentro dá andamento ao renga.

Essa imagem da fuga do fora para dentro está condizente com a circunspecção do inverno, acrescenta Carlos Martins.

10 -

Na silhueta da serra

surge a primeira estrela Gustavo Terra

A "Primeira Estrela"(que dá nome ao renga) surge como anunciação da esperança, do término da frieza do inverno para a alegria da Primavera. A estrela com seu brilho leva o renga... Belíssimo a estrela (primeira) surgir na silhueta da serra: a serra ainda não está nítida, é só um contorno, mas a luz já se faz para mostrar o 'novo' caminho.

Carlos Martins nos enriquece com sua observação: Este encadeamento achei uma aula, de tão didático. No dia curto a noite chega antes e esse fato faz com que a primeira estrela seja notada, o fato não passa despercebido.

Primavera

11-

Primavera chega

mas o que vejo ainda?

manacás floridos Elisa Campos

O inesperado, a surpresa que as estações nos fazem – é Primavera, mas ainda vemos 'manacás', que a rigor é kigo de outono – no entanto, nada é tão fixo, rigoroso e alguns manacás (e espécies de outras estações) ainda estão floridos. Aqui percebemos o limiar da passagem de uma para outra estação, quando o que foi ainda deixa vestígios. E assim caminhamos, na impermanência do tempo, das estações...

Análise perfeita, na opinião de Carlos Martins, que acrescenta: A relatividade das estações entre nós expõe a impermanência da impermanência, ou seja, das próprias estações. E mais, que o haicai entre nós deve ser mais suave, talvez menos rigoroso no regramento, para que o haijin capte as nuanças da transição das estações, que não são acentuadas como no Japão.

12-

Pela porta entreaberta

o bolo recém assado Natalia Yamane

Tudo é recente, fim de uma estação e começo de outra. O bolo recém assado supõe celebração, espera de alguém que virá, de longe, talvez pisando flores de manacá e saudando a primavera, alegria de fora comemorada dentro de casa para acolher quem chega. Tudo é partir, chegar, partir... tudo é caminhar e o renga vai.

13-

Barulho de moto

e o vento abrindo a cortina –

Primavera fria Benedita Azevedo

Estações mudam. Mudam dentro de si mesmas e, com sensibilidade , o haijin traz o barulho de moto e o vento frio de Primavera na sutileza da cortina que esvoaça - alguém que chega? alguém que parte? alguém que passa? E continuamos a caminhada, sempre em frente, sem voltar ou parar.

14-

Sons de violino espalham

velhas canções na névoa Clarinha Sznifer

Os versos nos levam (e ao renga) para fora, na transparência e mistério que a névoa de primavera traz e que se intensifica ao som do violino: velhas canções sugerem saudade, menos agitação e movimento do que o trazido pela estrofe anterior (vento, moto). A música espalha canções na névoa e o andamento se faz com suavidade – quebra sutil entre as duas estrofes, sem paralisar.

15-

Pintam a calçada

flores de jacarandá –

florzinha na sombra Guilherme Henrique Sanches Fisher

Lá fora, a força e beleza das flores que colorem a calçada. Visualizamos a copa alta, imensa em sua floração. Intensidade rompida pela florzinha delicada na sombra, só uma, minúscula e delicada. Talvez num canto do chão, ou quem sabe, florzinha que restou num galho e ainda não foi ao chão. Ao vigor contrapõe-se a suavidade que carrega adiante o renga.

16-

Caminhando pela via

um senhor com seu cão guia Maria Lima

Suavidade pressupõe ternura e pela via o cão é companheiro do homem. Animal e ser humano juntos, natureza em harmonia – o animal é a visão do senhor, que vê o caminho pelos olhos do cão. E segue.

17-

Lá vão os pardais

revoando pela praça

ao cair da tarde Rose Mendes

Nesta estrofe, observamos intensificação do movimento, que na anterior é mais brando , pelo caminhar do homem dependente do cão guia. Entendemos que os pardais estão na tarde de primavera, em revoada, trinando alegremente, denunciando acasalamentos. Pardais que estão onde o homem está, fazendo ninhos nas casas. Assim, a alegria da primavera simbolizada pelos pardais leva o renga adiante com júbilo.

18-

Quase fim de primavera

e a dama da noite reina... Maria Lima

O verão já se insinua no perfume da dama da noite que se faz sentir. A primavera está quase no fim, momento em que se cruzam kigos dessa estação com os da estação que a sucede. As estações (o tempo, a vida) não começam e terminam exatamente nas datas anunciadas (estas são apenas critérios para registrar o início ou fim das características que marcam aquele ciclo de 3 meses cada). O imprevisível faz parte do caminho.

19-

Flores do canteiro

no cabelo da menina --

Ipê amarelo. Marco Aurélio Goulart

Passagem linda da estrofe 18 para a 19, trazendo a flor do ipê caída no canteiro para enfeitar o cabelo da menina. A flor no chão indica fim, queda, morte, mas no cabelo da menina traz beleza e simplicidade à morte, como parte natural do círculo inexorável do tempo viver-morrer.

20-

Um último beija-flor

coleta néctar na tarde Carlos Martins

Tudo é vida. Tudo é morte. O beija-flor (o último da primavera que finda) ainda colhe o néctar, o gozo, o deleite no último momento da estação que se vai e leva junto o renga.

Verão

21-

A noite se estende –

Eis que a Lua de verão

ocupa o cenário Fiore Carlos

A lua se ilumina e traz sensação de frescor, chamando todos para fora, para o desfrute desse prazer, desse viço, que preenche toda paisagem. Faz-se longa a noite...

22-

Debruçado na janela

casal em troca de afagos Marco Aurélio Goulart

A noite é longa fora e dentro: o casal se debruça à janela e na frescura da noite, troca carinhos. O tempo escoa e leva o renga.

23-

Brilha o sol de estio –

gaivotas aboletadas

na praia deserta Nilza Azzi

Já é dia. O sol de verão é muito quente – só as gaivotas ficam imóveis na praia. Silêncio, solidão, rompe a imagem anterior (estrofe 22) – o casal passou a noite em claro? o casal dorme até mais tarde? – e a estrofe 23 encadeia sem grudar, devagar...

24 -

Miro faceiro além,

pós-horizonte sem-fim. Fernando Azevedo Brito

Alguém de longe (de alguma casa, da calçada, do carro?) olha além do horizonte, que no calor infernal (da praia deserta) parece não ter fim. O olhar é alegre, antevendo o que virá (será algo ligado ao contentamento, à esperança?) liga as estrofes e avança.

25-

Fogos de Ano Novo

explodem cores e apagam –

estrelas perduram Guilherme Henrique Sanches Fisher

A alegria se concretiza no romper do Ano Novo, trazendo esperança e dando andamento ao renga pela contraposição do efêmero (fogos em cores se apagam) ao eterno (estrelas perduram).

26-

Como uma bênção me sobe

cheiro da terra molhada Severino José

A chuva traz no cheiro da terra molhada, a bênção para o homem. Parece-me que acontece um novo batismo feito naturalmente, celebrando a unidade homem e terra (natureza). A graça conduz o renga (e o homem) no caminho natural (viver-morrer e vice-versa).

27-

Porteira da casa.

Flores de cássia imperial

colorem a grama. Benedita Silva de Azevedo

A natureza celebra o batismo de água na terra e explode em flores. O homem pisa a grama bordada de flores amarelas, chega em casa, ao aconchego e à beleza da alegria primaveril e do convívio.

28-

Do retorno da viagem

compota de abacaxi Natalia Yamane

A viagem de verão chega ao fim. Da colheita farta preparamos o excesso para que perdure, do mesmo jeito que conduzimos nossa vida. Previdentes, dos abacaxis, fazemos compota. Alimento que nos fortalece e adoça para a caminhada.

Outono

29-

Na rua deserta,

folhas rolam pelo chão —

Começo de Outono. Nilza Azzi

Parece-nos ouvir o barulho das folhas secas a anunciar, com melancolia, a nova estação. Sentimento de decadência acompanha os caminhantes.

30-

Um aroma de café

chama para uma pausa. Sandra Hiraga Yoshimura

O café quentinho é acolhida. O renga nos remete para dentro, para que no calor da casa, nos aquietemos. Afinal, temos sentimento de que esfriamos junto com a natureza, então buscamos o calor.

31-

Surpresa na sala

em voo rasante ela!

borboleta de outono Clarinha Sznifer

Quanta compaixão a borboleta de outono nos traz! Ela nos impele para a frente com seu exemplo: apesar da fragilidade, não deixa de voar. E o renga vai.

32-

num retrato na estante

vem pousar a saudade Severino José

Há forte amarração com a estrofe 31. Talvez estejamos na sala, mas já mudamos nosso ponto de observação, Na contemplação caminhamos dentro de nós mesmos e do outro. Retrato é imagem que aviva nossa memória na lembrança de quem está longe ou, partiu para sempre... quem sabe?

33-

Perto... tão perto

acima do casarão

a Lua de outono Rose Mendes

Encadeamento primoroso. A Lua de outono, que está tão longe, faz-se perto, tão perto, quando está acima do casarão, casa-abrigo-morada do (im)possível – e podemos 'tocar' a Lua.

34-

Vem com a brisa de outono

o cheiro do mato verde Maria Lima

O mato verde (o que está fora) cheira. A brisa de outono carrega a fragrância, que se espalha fora e dentro. E nos leva –"O caminho se faz caminhando"... "sem esquentar duas vezes a mesma esteira". Somos o caminho? (Somos o renga?)

35-

Tão longe se espalha

o canto dos camponeses –

colheita de algodão Regina Alonso

E de longe da terra (onde o mato verde cheira /estrofe 34), vem o canto dos camponeses a celebrar a colheita. Brancura do algodão, que traz a pureza do homem do campo, no rude (e amoroso) trabalho de preparar a terra, semeá-la e esperar com paciência e fé, o tempo da alegria, quando acontece a colheita. A canção é sopro que leva o renga.

Esse canto que se espalha não será, também, o próprio “kasen” que se materializa na colheita de estrofes feita pelos haijins? Adorável esta questão colocada por Carlos Martins, pois a canção é ritmo, leva... daí, é o próprio 'kasen'...

E se é o homem quem canta, o 'kasen' será o próprio homem?

36-

Se distanciam na trilha,

caminhantes e risadas Carlos Martins

A referência desta estrofe final à estrofe inicial é forte e sutil - na abertura, a chamada para o fazer poético solidário e no fechamento, percebemos que os caminhantes são os haijins, que vão rindo, felizes, porque terminaram a trilha, o renga e... cumpriram-se

Carlos Martins fecha o 'kasen' e nos privilegia ao compartilhar: Em um ouroborus* poético, encerra-se o “kasen”, com completude: início, meio e fim.

O renga-haikai, assemelha-se à “jornada do herói” mítica: os haijins iniciam-na com um grau de conhecimento e sensibilidade que vão aprimorando à medida que o encadeamento das estrofes se sucede, até que, na 36ª retornam ao ponto de partida. Entretanto, não retornam como partiram, mas, sim, renovados, com o haicai mais aprofundado e, principalmente, seguros para repassar o que aprenderam.

* Ouroboros ou Oroboro - criatura mitológica, uma serpente que engole a própria cauda formando um círculo, que simboliza o ciclo da vida, o infinito, a mudança, o tempo, a evolução, a fecundação, o nascimento, a morte, a ressurreição, a criação, a destruição, a renovação.

Comentário final

Gratidão a Benedita Silva de Azevedo (EMI), coordenadora do 'Sabiá', pela confiança e acolhida; ao Carlos Martins, que me ajudou e tornou possível conduzir o Renga 'Primeira Estrela', fazendo observações, dando sugestões, orientações necessárias e atendendo meu pedido para ler o comentário final e acrescentar o que fosse pertinente. Gustavo Terra, gratidão pela generosidade de compartilhar suas 'aleluias' e esclarecimento sobre as estações em que ocorrem.

Agradeço em especial aos haijins do Grêmio Haicai Sabiá pelo fazer coletivo com respeito à participação de todos e, pela humildade de aceitar sugestões com naturalidade e muita vontade de fazer o melhor, percebendo que somos o caminho e nunca 'estamos prontos'.

Aprendo muito no fazer 'aberto', com regras que não engessam, priorizando a poesia e não a métrica, a forma. Obrigada, hoje e sempre.

Regina Alonso/Inverno, 2018

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Agradecemos a Regina Alonso e ao Carlos Martins pela excelente condução e comentários do renga "PRIMEIRA ESTRELA". Aos membros do Grêmio Haicai Sabiá que atenderam ao convite, e a todos que nos acompanharam nesta caminhada coletiva, nestes doze anos de semeadura do haicai brasileiro, quer presencial ou virtual. Aos colegas professores: Demétrio Sena, Iraí Verdan, Maria Madalena Ferreira e Regina Célia de Andrade que atenderam ao convite que fiz para compor o Grêmio Haicai Sabiá, sem os quais não teríamos começado. Aos membros do Grêmio Haicai Ipê, que nos prestigiaram na fundação e aos mestres Edson Iura e Teruko Oda que vieram de tão longe nos mostrar como deveriam ser organizadas as reuniões e até trouxeram cópias dos mapas de votação.

Meu eterno agradecimento a todos que me permitiram, com o apoio do companheirismo e amizade, esta caminhada no aprendizado constante do haicai.

Inverno de 2018

Praia do Anil, Magé - RJ

EMI Benedita Azevedo.

Foto da Praia do Anil: Valdir Peyceré.


Publicado por Benedita Azevedo em 21/05/2019 às 19h50
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