O príncipe e a professora
- Sabe o que a Diana me perguntou? - Não, o quê? - Se eu tinha ficado mais riquinho com o que roubei da minha irmã, vendendo o hotel. - E o que você respondeu? - O que você acha que eu deveria responder para uma criança de dez anos? - Ela só tem dez anos, mas sabe te hostilizar. Devem ser estes os comentários dos teus parentes. - Eles não têm o que comentar. Ainda que eu tivesse vendido, pois era tudo do meu pai e eu era filho único. As pessoas que me hostilizam, como você diz, foram beneficiadas pelo meu pai. Até hoje vivem do que ele construiu. Só que a ganância não as deixa ver isso. E se um dia pudessem, elas tirariam tudo dos herdeiros diretos do meu pai, que na verdade, sou eu e os meus filhos. Ou você acha que eles gostam de mim? Os cuidados e álbuns onde estão fotos do meu pai, para mim, é tudo uma grande hipocrisia. Pois dele só queriam o prestígio. A prova disso é a maneira como você me encontrou. Todos sabiam que eu estava numa situação muito difícil, mas ninguém se preocupou de me ver andando na rua todo roto. Você não era parente nem me conhecia e se preocupou comigo. As pessoas que tiveram todo o apoio do meu pai, que viveram comigo desde que nasci e sabiam como fui criado, não tiveram a sensibilidade de perceber que eu precisava de apoio. Mesmo que fosse um pouco de atenção, uma palavra de carinho. - Será que estavam conscientes da tua real situação? - Sabiam. Para completar a minha desgraça, minha irmã entra lá em casa com uma ordem judicial para pegar uns móveis que eram dela. Eu nunca disse que não os entregaria. Foi um golpe mortal em nosso relacionamento. - Ela precisava dos móveis para quê, se você já lhe doara o sítio com a casa toda mobiliada? De porteira fechada, não é assim que dizem? - Ela não precisava deles, vendeu-os a preço de banana podre. - Não acredito que alguém seja tão insensível a tal ponto! A não ser que desconhecesse a situação grave pela qual você passava. - Conhecia sim. Ela foi à minha casa perguntar para minha ex-mulher por que eu andava tão maltratado na rua e soube que era porque não tínhamos dinheiro para comprar roupas. - Mas isso aconteceu antes dela pegar os móveis? - Ela perguntou se eu queria ficar com os móveis pelo preço que foram avaliados, mas eu não tinha como. Estava atravessando a pior fase da minha vida. Mas, ela não queria saber de nada. É por isso, e por outras coisas desse tipo que aconteceram durante a doença da minha mãe, que minha ex-mulher não perdoa a minha irmã. - Mas, você também não tinha, ao seu lado, uma pessoa que lhe apoiasse como precisava. Ela estava por fora de tudo! Não tinha nenhuma condição de ser a âncora de que você precisava após a morte de sua mãe. - Coitada! Ela também não estava preparada para enfrentar os dissabores que nos atingiram. Quando a conheci, tinha as pernas e o bumbum muito bonitos. - Só por curiosidade: os homens quando escolhem uma companheira, só olham a parte física? Não se preocupam com mais nada? - Em nenhum momento pensei que viesse a precisar de uma mulher para me orientar na vida. Mesmo porque, na época, acreditava que o advogado, meu compadre, a pessoa em quem, segundo meu pai, eu poderia confiar se um dia precisasse, cuidaria dos meus negócios honestamente. - Essa é uma questão séria em sua vida. Mais uma pessoa usando você e se aproveitando da amizade que seu pai lhe dedicou para tirar proveito da situação. Apoiando-se no fato de você ser uma pessoa boa e sem malícia que acredita em todo mundo. - É, parece que todos que se aproximaram de mim, depois da morte do meu pai, só queriam tirar vantagens. - Quem, por exemplo? - Em primeiro lugar, a minha irmã que ficou contra mim, querendo participar da partilha dos bens do meu pai. Depois o meu compadre, que aproveitando a atitude dela, vendo que eu estava sozinho no mundo, manipulou-me à vontade e acabou subtraindo quase tudo que ele administrava. Dentro da mais perfeita ordem, tudo documentado como se eu tivesse vendido. Mas isso ele vai pagar no fogo do inferno. Por fim, a Catarina que me passou uma rasteira e obrigou-me a passar para o nome dela uma fazenda que comprei em Minas. Soube depois que vendeu a propriedade e comprou um apartamento, na Lagoa, para o filho. - E a Manuela, qual o significado dela em sua vida? - É a mãe dos meus filhos. Uma pobre mulher que não tem culpa de nada. Apenas, talvez, tenha sonhado com uma vida milionária e sem querer, e por não ter nenhuma condição de ajudar, pois não tem nenhuma habilitação, a não ser a de dona de casa de classe média baixa, ajudou a jogar-me no fundo do poço. - E você não trabalhava? - Quando meu pai era vivo eu trabalhei na Companhia de Álcalis, no Banco Boa Vista e, por fim, trabalhei com ele. Quando o perdi, fiquei numa boa situação. Eu vivia dos rendimentos dos aluguéis, das ações e da firma administrada pelo meu compadre. Hoje vejo que se tivesse assumido os negócios quando meu pai morreu, poderia estar muito bem. Mas acreditei muito e perdi quase tudo. O resto você já sabe. Como já lhe falei, quando nos encontramos eu estava atravessando a pior fase da minha vida. Sofri as piores humilhações que um homem pode passar. Trabalhei nas condições mais subalternas possíveis. Vendi quadros, carnês e quando você me conheceu eu estava trabalhando de segurança numa esquina onde morava o presidente do Banco Boa Vista, onde trabalhei como advogado e que foi fundado pelo meu tio avô. Tinha de esconder-me cada vez que um conhecido passava. - Você não acha que faltou empenho da sua parte para evitar toda essa situação? - Acho que não fui preparado para enfrentar a vida. Fui educado como um príncipe. Os obstáculos eram tirados do meu caminho pelo meu pai. Depois da morte dele, fiquei perdido sem saber o que fazer. Fui jogado aos leões e não sabia me defender. Como um animal domesticado, fui jogado na jaula, no meio de feras selvagens. Se eu já te conhecesse, as coisas seriam diferentes. - Talvez não. Naquela época eu ainda não era como hoje. Era também um animal domesticado, no meio de algumas feras. Só que hoje as feras viraram cordeiros. Aprendi a conquistar o meu espaço à custa de muita luta. Provavelmente, você nem ia ligar para mim. Uma simples professora. - É isso seria possível. Mas, graças a Deus eu te encontrei e a minha vida tomou uma nova direção. És o meu Anjo da Guarda. Praia do Anil, outubro de 2004 Benedita Azevedo
Enviado por Benedita Azevedo em 20/08/2009
Alterado em 10/02/2012 |