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As brigas em casa
A minha família era muito conservadora, onde as regras morais só valiam para as mulheres. Os homens podiam fazer tudo que lhes viesse à cabeça. As maiores traições eram consideradas a coisa mais natural do mundo.

Desde muito pequena ouvira as reclamações da minha mãe com respeito às escapadas de meu pai. Os conhecidos sempre davam as informações. Contavam que fulano contou pra não sei quem, que vira meu pai com outra mulher. Eu detestava aquele bate-boca. Sempre que me era possível ia para o quintal, subia na mangueira ou no cajueiro e ficava lá comendo as frutas. Outras vezes ia para o rio tomar banho e ficava lá um bom tempo. Quando não dava para sair eu ouvia aquela gritaria que me deixava apavorada.

Meu pai acabava saindo e voltava muito tempo depois. Minha mãe ficava trabalhando, nas costuras, na horta, podando as fruteiras com ajuda do Sr. Antônio (o pé de curica, como todos o chamavam, devido a um defeito no pé), ou fazendo qualquer outro trabalho.
Reclamava muito de ter de cuidar, praticamente sozinha, de tantos filhos. Mas não perdia tempo. Estava sempre trabalhando. Os comentários funcionavam mais como um alerta para as filhas. Era como se dissesse:

- “Vocês estão vendo, é assim a vida da mulher, tem de aturar tudo e continuar vivendo como se nada tivesse acontecendo...”.
Apesar de gostar muito de meu pai e ter certa cumplicidade, no que dizia respeito aos meus estudos, não gostava de ver minha mãe sendo tratada daquela maneira. Mas, não tinha a ousadia de argumentar isso com ele. Hoje, tentando analisar aqueles fatos, acredito que comecei a querer me afastar de casa para não ver aquelas brigas intermináveis. Acho até provável que muitos adolescentes menos equilibrados deixam as famílias por questões parecidas. Em nenhum momento pensei em me afastar de casa apenas para fugir dos problemas. O meu objetivo era estudar, estimulada por meu pai. Mas aquelas brigas também me empurravam para longe de casa.

Eu ficava imaginando como seria a vida das meninas ricas. Deveria ser muito boa. Não teriam de apanhar verdura, nem lavar pratos, nem lavar roupas, nem cuidar da casa... Deveriam ficar o tempo todo estudando, indo ao cinema, às festas, viajando, mas nunca fazendo coisa alguma em casa. Gente rica deveria ser muito feliz. Não tinha razão para brigar, uma vez que não faltava nada para ninguém... Roupas, sapatos, escola, empregada para fazer tudo. “Gente rica era muito feliz sim! Não tinha porque não ser”. E olha que os ricos da minha imaginação não eram os riiicos, eram as pessoas que tinham uma casa razoável, um carro e outras coisas que uma família de classe média baixa nem pensa em conseguir.

Só depois de casada, aos dezoito anos, desmistifiquei esta questão. Toda mulher, seja qual for a situação financeira que tenha, sempre será responsável pela organização da sua casa. Ainda bem que hoje temos o auxílio da tecnologia em todos os trabalhos domésticos.
Ficou longe a situação em que a mulher se desesperava quando lhe faltava empregada, principalmente, na questão da lavagem de roupa. Aquelas que tinham uma lavanderia por perto resolviam facilmente  o problema, mas se morava numa localidade que não tivesse esse serviço tinha de enfrentar o tanque.

Hoje, a mulher rica ou pobre não se submete aos caprichos de ninguém. Conquistou uma situação parecida à do homem. Não tolera mais desaforos e o deixa em busca de uma vida mais tranquila. Conheço mulheres de todos os níveis que, não se sentindo correspondidas num relacionamento, preferem ficar sozinhas.


Benedita Azevedo

Benedita Azevedo
Enviado por Benedita Azevedo em 21/08/2009
Alterado em 23/10/2012


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