A Década de 70
Benedita Silva de Azevedo
Repressão política e censura no Brasil atingem o auge. Explosão populacional na região metropolitana de São Paulo. A seleção brasileira vence a copa do mundo e as transmissões de TV passam a ser coloridas. A crise do petróleo demonstra que a economia moderna já estava dramaticamente globalizada, isto é, uma decisão ou uma crise em um ou em alguns países do planeta repercutem em todos os outros. Década de 70, Revolução dos Cravos em Portugal, a independência de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Timor Leste também proclamou a sua independência em 1975. A guerra civil de Angola e a guerra de desestabilização de Moçambique, logo após a independência. Ao mesmo tempo, intensificavam-se as lutas de libertação da Rodésia (que ascendeu à independência em 1980). Fim da guerra do Vietnam. No Brasil, o país vive o período mais duro do regime militar. Morre Juscelino Kubtchek. Apesar do famoso AI-5, que deu poderes absolutos ao Presidente da República, que fechou o Congresso, cassou centenas de políticos, sendo que muitos foram presos e outros tantos exilados. Com o endurecimento da ditadura em 1970, teve início momentos de maior repressão política da nossa história. A gestão do outro militar (1974 a 1978), que também conduziu o país com mão de ferro, mantendo estritamente fechado o regime e restrita a discussão política apenas ao autorizado pelos militares, começa timidamente, a haver uma abertura política, culminando com a transição para um governo civil ao final do período de 1980 e 1985. Mas, foi em 1970, no México, que o Brasil ganhou a copa do mundo de futebol, no peito e na raça, com famosos jogadores, para o delírio de 90 milhões de brasileiros que acompanharam, pela primeira vez, uma copa ao vivo pela televisão. Foi nessa década também, que aconteceram as duas crises do petróleo, que levaram os Estados Unidos à recessão, ao mesmo tempo em que economias de países como o Japão começavam a crescer, e surge o movimento em defesa do meio-ambiente. As mudanças comportamentais da década anterior culminaram no que muitos consideram "era do individualismo". Explodiram o rock and roll, as discotecas do experimentalismo na música erudita, atropelando os clássicos; Lucio Alves e Dick Farney viram seu marcado encolher. Mesmo assim, nunca fizeram concessões a estilos nos quais não acreditavam e pagaram por isso. Morreram tristes e abandonados pelas gravadoras, mas foram eles que abriram o caminho para a bossa nova e a viveram intensamente. A economia mundial, particularmente a dos Estados Unidos, entra em recessão após a crise do petróleo de 1973, com a retaliação dos países árabes aos EUA, pelo apoio desse a Israel na Guerra do Yom Kippur, naquele mesmo ano. Os jovens aderem ao estilo hippie: jeans e calças militares usadas com enormes bocas de sino, tachinhas, bordados e muitos brilhos. Camurças com franjas; estilo safári; colares de contas miçangas, bijuterias étnicas; saias e calças de cintura baixa com cintos largos ou de penduricalhos; roupas artesanais, materiais naturais e tinturas caseiras; botas de camurça e sandálias de plataforma; saias longas, estampadas, estilo cigano, e muita interferência de brilhos e plumas nas roupas. Apesar da doença do marido e de todos os problemas pelos quais passou, a adolescente que fui vivendo todas estas mudanças amarrada a um casamento machista onde o lugar de mulher é em casa cuidando das empregadas e dos filhos pequenos. Quando em 71, o marido sofreu um derrame e perdeu tudo, a adulta na qual me transformei forjada no sofrimento, mas, bem informada através da leitura diária de revistas e jornais, deu uma virada de mesa e conquistou à custa de muito trabalho e de uma determinação ferrenha a concretização da sua formação acadêmica. Os dez anos de casamento, iniciados aos dezoito anos, a transformaram em uma pessoa assustada e insegura. O marido dezessete anos mais velho transformou-se em seu dono, cerceando-lhe a liberdade a cada passo que tentava rumo à realização pessoal. Após a doença do provedor ciumento, os dez anos represados explodiram como as flores na primavera. De uma hora para outra aquela vida de reclusão ganhou a liberdade e, incansavelmente, corria de um lado para o outro. Ora estudando, ora ensinando, ou cuidando da formação dos filhos e administração da casa. O sabor da liberdade colocava-lhe asas nos pés e parecia nunca se cansar. Além de todo o trabalho, era dona de casa cuidadosa e mãe zelosa. Acordava às seis da manhã e deitava-se após a meia noite. Ainda durmo apenas cinco horas por dia. Não consigo mais do que isso, mesmo que eu queira. Então, a criança que até hoje habita meu interior busca o nascer do sol à beira da praia e, de sapato na mão, caminha chutando as pequenas ondas que rebentam na areia. Ou calça o tênis e caminha na trilha durante uma hora, para dissolver o colesterol que se acumula em suas veias. Com essa soma de adulto e criança conseguiu superar todas as dificuldades e atingir o ápice profissional, restaurando o poder aquisitivo perdido com a doença do marido, e torna-se uma educadora reconhecida, respeitada e independente. Os estudos, os concursos públicos, os cursos de aperfeiçoamento, o Colégio Marista, a espinha dorsal do seu crescimento intelectual e pessoal, a casa, o carro, a família por perto, os novos amigos, a sua autonomia financeira, tudo se concretizou na década de 70. Foi no fim dessa década e início da seguinte que a adulta ficou viúva. O marido, que sofrera um derrame em 1971, faleceu no dia 04 de maio de 1980, quando completava 53 anos, e ela ficava viúva aos 36, completados uma semana depois, a 10 de maio. Após sanear as finanças da família debilitada pela doença, continuou sua carga horária de dezoito horas diárias, juntando-se à adolescência dos filhos. Os três pareciam irmãos, e foi assim até que eles resolveram formar as próprias famílias. Não senti falta de nada enquanto estive no processo de formação de meus filhos. Depois que partiram, com suas famílias, também eu encontrei o meu parceiro, mais criança que adulto que me ajudou a ver a vida de maneira diferente. Foi com ele que realmente vivi a minha fase adulta, deixando lá na década de 70 o período de reclusão e a luta pela liberdade pessoal.
Benedita Azevedo
Enviado por Benedita Azevedo em 08/07/2013
Alterado em 16/07/2013 |